sábado, 19 de julho de 2014

A Lógica da Salvação pelas Obras

A carta de Paulo aos Romanos é um dos textos bíblicos que melhor desenvolve a tese acerca da doutrina da salvação. Na verdade, a intenção do apóstolo é ensinar a igreja em Roma a única forma que o homem pode agradar a Deus, e o meio para isso é através do evangelho (Rm 1:16). É óbvio que esse caminho não é nada fácil, até porque os primeiros passos nessa caminhada envolvem um reconhecimento pessoal de que você
não é capaz de caminhar sozinho. O homem está perdido completamente em seus pecados e não teria condições nenhuma de se chegar a Deus. É nesse contexto em que Paulo, inspirado pelo Espírito Santo, disserta acerca da necessidade da salvação. Talvez um pensamento errado acerca desse assunto por parte dos irmãos em Roma estimulou o apóstolo a escrever sobre isso. A questão é que o maior desafio de qualquer pregador é convencer o pecador de que ele realmente necessita de um meio [fora de si mesmo] para ser salvo. Apenas a fé na redenção gratuita que há em Cristo Jesus (Rm 3:24) é capaz de aplacar a ira de Deus (Rm 1:18) que estava sobre nós, satisfazendo a sua justiça (Rm 3:25).

Entretanto, a salvação quase que sempre foi tida como algo meritório, tanto entre os gentios como também entre os judeus. Ou seja, a salvação como um prêmio merecido pelo tamanho esforço. É até admissível esperar esse tipo de pensamento por parte dos gentios, pois, afinal de contas, eles não tinham nenhuma revelação da vontade de Deus, exceto pelo testemunho da nação de Israel. Mas os judeus não deveriam sustentar essa ideia, pois eles tinham os "oráculos de Deus" (Rm 3:2). Os patriarcas, os profetas, as alianças, tudo foi confiado a nação de Israel, que tinha obrigação de conhecer verdadeiramente os planos de Deus. Porém o passar dos anos fizeram com que os judeus esquecessem os preceitos e ensinos do SENHOR, depositando uma confiança muito grande na própria carne, por possuir o sangue do povo escolhido de Deus. O judeu sentia-se seguro simplesmente por ser cuidadoso em observar as obras de justiça [dar esmolas, viver "piedosamente"] e as obras da lei [esforço em cumprir toda a lei mosaica]. Paulo quer acabar tanto com a ignorância dos gentios, como a ingenuidade dos judeus, lançando um pensamento lógico acerca da salvação pelas obras. Vemos isso em Rm 4:2.
"Porque, se Abraão foi justificado por obras, tem de que se gloriar, porém não diante de Deus" Romanos 4:2
Aqui o apóstolo cita o exemplo de Abraão, o pai dos judeus. Se os judeus tinham respeito por alguma pessoa, com certeza essa pessoa seria Abraão. Paulo, então, usa dessa situação para enriquecer o seu argumento acerca da salvação pela fé. Entretanto, gostaria primeiro de voltar a atenção para o verso citado acima. Vamos primeiro tentar esquecer de Abraão por um instante e vamos imaginar que esse versículo mostra uma relação teísta entre um homem e sua divindade. Toda lógica teísta vai envolver pelo menos dois seres, onde um deles é um ser superior [uma divindade] e o outro é um ser inferior [o homem]. O que Paulo está sugerindo primeiramente é o seguinte: "Se o ser inferior pode ser capaz de salvar a si mesmo, ele tem todo direito de se gloriar". Ora, se você conseguiu livrar a sua vida da condenação por seus próprios esforços, é óbvio que a glória e o mérito estão totalmente em suas mãos! Você poderia olhar para as outras pessoas não-salvas e dizer: "Eu consegui! Fui bom o suficiente para merecer a salvação!", e seria algo completamente normal, porque foi algo que você mesmo construiu.

Mas, espere aí! Vocês não estão esquecendo nada? Exatamente, não devemos esquecer a relação entre o ser inferior e o superior; entre o homem e a divindade. Paulo, então, argumenta da seguinte forma: "Se a salvação do homem fosse realmente por obras, a sua glória seria completamente absurda diante do ser divino". Que cena bizarra seria o homem gloriando-se diante de sua divindade por ter escapado da condenação que estava sobre ele! O homem deve gloriar-se por alcançar a sua própria salvação [isso é algo lógico], mas quando o assunto é entre ele e o ser superior, o "gloriar-se" torna-se completamente ilógico. O que Paulo está querendo dizer nesse verso é que a lógica teísta não dá espaço para uma salvação por obras, pois isso traria a glória inteiramente ao homem e o exaltaria diante da sua divindade.

É óbvio que Paulo nomeia o ser inferior e o superior. Estamos falando de Abraão e o único Deus, o Todo Poderoso. No restante do texto, vemos que Abraão não foi salvo por suas obras; mas na verdade a fé na promessa que Deus lhe havia feito sobre o seu descendente ["e o descendente era Cristo" (Gl 3:16)] foi que lhe garantiu a salvação. Não depende de nosso trabalho ou esforço, "mas ao que não trabalha, porém crê naquele [Jesus Cristo] que justifica o ímpio, a sua fé lhe é atribuída como justiça" (Rm 4:5).